quarta-feira, 6 de maio de 2015

Jonas 7 - O acordar

Jonas acordou com aquela sensação de estar a ser observado, a sensação que a presa sente quando um predador ronda as cercanias cheio de fome. A sensação de terror assolava o seu espírito, o medo do que se escondia para lá das trevas, o medo que lhe tolhia os sentidos, os movimentos. Queria gritar e não saía nenhum som da sua boca escancarada, queria fugir e estava imobilizado, a adrenalina no máximo, o coração a saltar-lhe a boca, a fera a aproximar-se, o terror imenso.
Com um grunhido que lhe soou a um berro na noite Jonas conseguiu abrir os olhos.


- Calma Jonas! Estavas a ter um pesadelo! Acalma-te! Diz Ana, a rapariga que já há muito tempo que tratava daquele ser ali encolhido, sempre atormentado.
 Jonas viu aqueles grandes olhos verdes como lagos de esmeralda que o fixava com ansiedade. Atrás dos olhos estava uma cara de anjo, pelo menos foi o que pareceu, uma cara bonita, alva, envolvida numa cabeleira negra cortado curto. Era a rapariga mais bela que Jonas jamais tinha visto.

- Onde estou? Que faço aqui? Pergunta Jonas reparando no uniforme branco da rapariga.
- Tem estado aqui já há umas boas semanas! Trouxeram-no para cá depois de o terem encontrado!
- Encontrado? Não entendo!
- Deitado á beira mar, meio afogado e sempre que acordava tinha autênticas crises de loucura, tínhamos de o sedar! Lembra-se de alguma coisa? É capaz de me dizer o seu nome?
- Meu nome é....! Meu nome é...! Jonas toma consciência que perdeu tudo, o nome, a identidade, a vida. O seu coração começou a acelerar, a ansiedade a aumentar, o monitor a apitar.
- Tenha calma! Disse a rapariga com voz doce. É um estado passageiro, é natural uma certa desorientação.
Jonas respirava ofegante, o ritmo a baixar, o coração a baixar o ritmo, começou a avaliar a situação.

- Devo ter família que provavelmente estará á minha procura. Tenho impressões digitais por isso posso ser identificado. Deve ser relativamente simples.
- A polícia já tem os seus dados e não conseguiu nada. Ninguém procura ninguém com as suas características. Está a ser um mistério!
- E você gosta de homens misteriosos? Pergunta Jonas com uma gargalhada. Pelo menos não perdi a parvoeira inata!
A rapariga corou ligeiramente e nada disse. Continuou a sua tarefa de arrumar equipamento médico.

- Olhe, eu sou o homem misterioso e você? Como se chama? 
- Ana!
- Prazer em conhecê-la Ana! E obrigado por ter tratado de mim!
- Foi apenas a minha obrigação! Retorquiu a rapariga rapidamente, desviando o olhar. O raio do homem olhava fixamente com um olhar meio louco e penetrante. Ana sentia que aquele olhar lhe perscrutava os pensamentos mais íntimos.
- O seu sorriso não era obrigação de serviço. Era um sorriso de pessoa que se importa e é isso que agradeço.
- Ainda falta algum tempo para o almoço, quer comer alguma coisa? O médico deve estar a chegar.
- Eu espero! Resmunga Jonas virando-se de costas.

A rapariga saiu do quarto e dirigiu-se para a sua mesa, escrever o relatório e terminar algumas tarefas e rotinas.

- Onde estiveste? Pergunta João com ar macilento, barba por fazer e ar descuidado.
João nunca mais tinha recuperado daquele maldito almoço onde perdeu a mulher, a namorada e quase a vida. Estava em decadência, sabia-o e não conseguia evitar. O próprio trabalho começava a ser um inferno, encarar diariamente, trabalhar diariamente com aquela que tinha amado, que desejava loucamente transformava a sua vida num inferno.
João olhava para Ana e as suas memórias voavam, cruzavam o céu deixando rastos de fogo que lhe incendiava a alma, o leve cheiro dela chega-lhe ás narinas carregando com ele todos os sabores de noites passadas juntos. Ela tinha-se afastado.

- A fazer o meu trabalho e parte do teu! Responde Ana bruscamente olhando-o de frente, desafiadoramente. E é bom que comeces a fazer as tuas tarefas pois cada vez tenho menos paciência de aturar meninos birrentos.
João olha aqueles lindos olhos verdes, carregados de fúria e perdeu-se.

- Larga-me sua besta! Estás-me a magoar! Grita a rapariga furiosa e receosa daquele ataque estúpido e tresloucado. Olhando em volta, agarra numa bandeja e atinge o seu agressor na cabeça.
De imediato o monitor de sinais vitais começa a ressoar.

Jonas sentiu uma pancada brutal na cabeça e nunca percebeu o que lhe tinha acontecido, só queria ir á casa de banho, a sua habitual reserva tinha-lhe impedido de chamar a enfermeira, tentou e desfaleceu. 
A mancha no tecto branco lá estava, ele via-a numa névoa vermelha. Algo estava errado, estendia a mão e nada sentia, a visão parecia-lhe olhava por meio de um tubo de cartão negro, as cores a ficarem sépia, a respiração cada vez mais ofegante, o mal estar a invadir-lhe o corpo. Um mal estar generalizado, parava-lhe o corpo, queria vomitar e nada saía. Estava fraco e fechou os olhos e acordou encerrado numa cúpula toda negra, a ausência total de luz, de som, de cheiros, de tudo o que fossem sentidos, não sentia o corpo, sentia apenas que não respirava, afogava-se no nada, abria a boca e saíam golfadas de nada, começou a sufocar, começou a morrer lentamente, escorregando para o nada até que a própria escuridão se apagou.


- Que aconteceu? Pergunta o médico olhando para aquela cena caótica, o corpo de João, no chão, enrodilhado e sangrando abundantemente da cabeça.
- Ele atacou-me! Grita Ana com um leve tom de histeria na voz. Está totalmente descontrolado! 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nobita escreveu: