O arrulhar dos pombos ouvia-se ao longe, sussurrante, aumentando som á medida que se tomava atenção até se transformar numa ladainha de namorados. Um relâmpago ecoou na escuridão dando início á tempestade, a chuva caía copiosa encharcando o vulto cinzento que percorria lentamente o passeio, descendo a rua, acompanhando o rego de água que transportava todo o lixo da cidade. Rios de água escorriam-lhe pela cara abaixo arrastando consigo as lágrimas mal contidas. Estava tudo acabado, ela fora-se, ela desaparecera da sua vida. A sua paixão tinha-se finalmente fartado e deixara-o. Estou farta de pessoas que me puxam para baixo, quero alegria, exclamara ela quando arrumava as suas coisas e abandonava Jonas na sua solidão. Ele nunca compreendeu o porquê de tal acto, estava tudo tão perfeito, a vida corria ligeira, apenas com alguns sobressaltos, ele nunca entenderia a razão de tal decisão.
A solidão ao princípio era dolorosa, com o tempo tornou-se asfixiante, agora era enlouquecedora, Jonas via sinais dela em todos os pormenores da vida, desde o chilrear de um pardalito até á sombra de uma majestosa nuvem no céu azul, tudo era ela.
Jonas começou a beber mas o único resultado era soltar a sua mente irrequieta deixando-a sem controle, as ideias mais parvas afluíam ao seu cérebro como a corrente de um rio de águas barrentas. Ideias fantásticas, algumas delas de uma sofisticação que deixava os outros abismados, lógica terrível e utilidade nula. E Jonas esmiuçava teimosamente esses pequenos detalhes até á exaustão até que percebeu que esse não era o caminho, deixou de beber, de se intoxicar.
A sua mente, limpa de vapores estava mais acutilante mas o problema persistia, continuava sem entender, nunca entenderia o que não tinha explicação, nunca entenderia as suas razões, era ilógico negar o inegável e no mundo da lógica o oposto era a não existência logo não podia acontecer. Jonas estava não conseguia sair desta armadilha da mente, tão simples e tão mortal. Começou a descuidar a sua aparência que normalmente nunca tinha sido brilhante, ele não via necessidade, dizia que um presente contava pelo que era e não pelo invólucro. Deixou de se alimentar em condições começando a deambular pelo limiar da fome fazendo que os seus sentidos se aguçassem, que todo o seu primitivismo de caçador viesse ao de cimo, andava nas ruas com olhar esgazeado como se procurasse uma presa fazendo com que as pessoas se afastassem de tão sinistra figura. Desta forma, repetindo até á exaustão uma ladainha que era a exposição do seu problema insolúvel Jonas foi apanhado pela tempestade deixando-o lavado de todas as ilusões, afinal havia beleza no caos, como era possível ele não ter visto isso, tinha percebido finalmente ao ouvir uma música dissonante cheia de beleza.
Jonas parou, olhou para as nuvens negras de chuva e finalmente gritou. Um grito longo, dorido. O caos a entupir-lhe o espírito, a alegria da beleza do caos, a dor da perda, tudo se conjugava, tudo se encaixava, no fim o caos maior, a morte reveladora, a passagem para o nada ou para um caos totalmente desordenado onde as certezas duravam o tempo de um pensamento, onde a alegria se fundia com a melancolia, com a dor. Seria o universo um caos tão perfeito?
Jonas acalmou-se, respirou fundo, estava sentado num banco de um jardim, olhando para a estátua que ele tão bem conhecia, que ele queria conhecer e que estava tão longe que tornaria impossível qualquer ligação,ma estátua de uma bela mulher que contemplava o horizonte que se estendia para lá do oceano, a estátua e a sua amada eram a mesma pessoa, aquela que olhava para além do horizonte e que o deixava totalmente abandonado, ele nunca a teria. Jonas chorou a sua tristeza e tomou a decisão, lutar pelo que queria, pelo que desejava, pelo que amava. Levantou-se e começou a caminhar em direcção ao horizonte, ela lá estaria á sua espera, olhando-o com aquele olhar que o encantava. Caminhava lentamente sentindo o frio a subir-lhe penas acima, o seu destino gelado, a alegria do encontro.
Algo estava errado, abria a boca e tentava aspirar o ar, sufocava quando viu o sorriso, maroto, que o levou.
- Que aconteceu desta vez? Pergunta a rapariga olhando para aquele corpo molhado e macilento.
- O costume! Fugiu á procura de uma loucura e quase se afogou na baía. Este está mesmo passado.
- Coitado! Qual será o problema dele? Pergunta a rapariga curiosa.
- Pelo que balbucia deve ser coisas de saias, alguma que lhe fugiu e ele queimou os fusíveis.
O homem aproximou-se da rapariga, abraçou-a, puxando-a para si e faz-lhe uma festa.
- Gostei de te encontrar e de certeza que ficaria assim se te fosses embora!
- Credo homem! Estou bem assim, não comeces a stressar com o que não existe, com que não aconteceu.
- Eu sei. Mas começo a entender esse desgraçado. Desejar e não conseguir ter é uma dor muito grande. Existem pessoas que conseguem enterrar o assunto, outras arranjam substituições, outros, muitos infelizmente fazem merda, agridem o que não podem ter. Os que realmente amam, não só não esquecem como não enterram, enlouquecem pura e simplesmente. Este desgraçado deve estar nesse grupo. Eu começo a compreender e temo pertencer também.
- Não sejas tolo, começámos a namorar há meia dúzia de dias e já estás nesse estado. E eras tu que chamavas de maluco a este desgraçado.
O homem suspirou e nada disse, já não havia nada a dizer, não queria falar do assunto, ela dominava-o totalmente. O seu sorriso, o seu olhar, o aroma do seu pescoço, o contacto da sua pele. O modo como ela respirava ao seu ouvido quando faziam amor, o modo como gemia quando ele mergulhado no seu íntimo lhe arrancava orgasmos atrás de orgasmos, a energia que fluía entre eles. Não havia igual, não havia substituição, nunca haveria esquecimento, ele tinha a certeza de que nunca se libertaria, só a morte o separaria. Sorriu tristemente, essa alegria imensa causava uma grande ansiedade. No dia em que ela partisse ele morreria.
- Vamos tratar dele, mudar-lhe a roupa! Exclama o homem de supetão afastando os fantasmas que começavam a assolar o seu espírito.
- Sim, vamos! Responde a rapariga com olhar interrogador para o seu novo namorado. Que se estava a passar naquela cabeça tonta de macho na época de acasalamento?
Acabaram rapidamente o trabalho e afastaram-se para a sala de descanso. Um silêncio incómodo tinha-se instalado, iniciando um dolorosa separação, o terror que o homem temia.
Conheceram-se no trabalho, tinha sido a situação do desgraçado que os tinha unido e agora era o mesmo desgraçado que tinha iniciado o processo corrosivo da separação. Ele tinha-se mostrado obsessivo e ela tinha-se assustado, um grão na engrenagem de uma relação inicia o seu desgaste, se não for contido rápida e eficazmente tudo ruiria. Ele tinha de agir rapidamente. Mas como? Elas eram o que mais se assemelhavam ao caos, a incerteza é uma religião para as mulheres, ele tinha de ser rápido.
Com estes pensamentos, essas dúvidas ele adormeceu não notando o olhar perscrutador dela, olhava-o fixamente tentando avaliar o que valeria aquele homem quando acabou por adormecer também, abraçada a ele, sentindo a segurança da sua presença.
Jonas olhava fixamente o tecto branco do quarto,numa pequena nódoa negra incomodava-o, era o caos naquela brancura total.