sexta-feira, 29 de maio de 2015

Sem título... basta a loucura!!!!

Estou aqui sentado na minha secretária olhando com ar vazio um ecrã que nada me diz e nada me dá de novo. Sou subjugado pelas recordações que me afogam o espírito, que me inquietam. É triste a saudade, é triste a solidão e neste momento é apenas o que sinto. O manto enorme e negro da solidão. Está tudo longe, tudo inalcançável, resta-me apenas o vinho amargo no fundo de uma caneca onde jazem algumas moscas afogadas na sua ansia. Estou aqui sentado e escrevo a minha alma. Daqui a um pouco irei para o mar onde poderei olhar o horizonte, onde poderei sonhar pois o mar tudo permite, é o local onde os sonhos são realidade morando lá longe, naquela linha para onde navegamos e nunca alcançamos. um dia irei para casa, descansar e falar com os meus gatos, discutir filosofia com o Fu, política externa com o Nobita e sonhar na minha varanda olhando o recorte do horizonte, o recorte da serra, o recorte da cidade a que eu não pertenço.
Não estou triste, estou melancólico, estou saudoso, de vida, de um sorriso... entretendo vou ouvindo Sigur Ros...
Ainda hoje sinto saudades de uma paixão que tive aos dez anos, maldito este cérebro de minhoca.... adeus sorriso bonito, faz boa viagem.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Jonas 8 - O renascer

A eternidade passou num ápice, Jonas abriu os olhos e sobressaltou-se, aqueles grandes olhos verdes que o miravam expectantes assustaram-no. Fez um gesto de defesa, inútil pois estava amarrado á cama. Acalmou-se, aqueles olhos eram tristes, doces e pareciam suplicar algo que Jonas não entendia. A sua mente ainda num turbilhão, a ideias, as imagens, as memórias todas a saltarem ao mesmo tempo, Jonas fazia um esforço insano para as agrupara, para pôr um pouco de ordem de modo a que conseguisse dar um pouco de lógica aos últimos acontecimentos. O turbilhão era demasiado e aqueles olhos desconcentravam-no.
- Onde estou? Que me aconteceu?
- Aparentemente caiu e bateu com a cabeça! Exclama a rapariga, e, mudando de tom de voz ralhou. O menino está muito fraco para se levantar sem ajuda! Para a próxima tem este botãozinho, carrega e chama-me!
- Porquê esse olhar triste? Não me vai dizer que é porque eu não carreguei no botãozinho!
- Nada, não estou triste apenas cansada!
- De aturar malucos, não?
- Nem imagina! Exclama a rapariga afastando o olhar para a janela e olhando lá para fora, para o parque de estacionamento onde um vulto cabisbaixo entrava num carro e se afastava. Nem imagina quanto farta estou eu!
- Farta de aturar malucos sãos ou doidos como eu?
- É assim! Vira-se a rapariga com os olhos a faiscar. Se continuar com essas perguntas fico farta de aturar parvos. Já me chegam os malucos e os doidos.
- HummmmM para a próxima carrego no botãozinho! Que fúria. 
Jonas sorriu e deitou-se olhando para o tecto, a sua mancha lá estava.



O tempo passou assim como o dia, Jonas apenas pensava no que lhe restava das suas memórias, lembrava-se dos factos e esquecia-se dos nomes, lembrava-se das sensações e passavam-lhe as datas, a cronologia. 
De repente um cheiro veio-lhe á memória, um cheiro quente, suave, doce. Um perfume á muito enterrado no interior do seu consciente, o perfume de uma mulher que ele tinha amado profundamente, que ele ama ainda hoje, sabe que a ama mas é-lhe totalmente incapaz de se lembrar do nome. Olhos negros, sorriso brincalhão, cabelo cortado curto, cabelo que Jonas se lembra de adorar passar os dedos por aqueles cabelos a partir da nuca arrancando á sua amada arrepios que lhe deixavam a pele toda eriçada, os mamilos arrepiados para divertimento de Jonas. Era assim que começavam normalmente os seus jogos amorosos. Beijava-lhe o pescoço aspirando o seu perfume, o seu cheiro, mordia-lhe a nuca como os animais fazem ás suas fêmeas para as dominar, esta nunca se tinha deixado dominar, era brava e por isso Jonas perdia-se sempre. E as memórias corriam mostrando uma vida que ele tinha tido e que agora estava totalmente desligado, não se lembrava, tinha-a perdido para algo, para alguém.
- Desculpe-me o meu mau génio á bocado! Exclamou a rapariga á porta do quarto. Não devia ter sido malcriada!
- Se calhar eu não devia ter sido parvo e estar com gracinhas com uma pessoa que se via que estava nervosa e ou cansada. Digamos, farta de aturar malucos. Exclama Jonas com um sorriso.
Já agora! Está mais bem disposta?
- Hummm! Já passou! E você? Tenho estado aqui a observa-lo e quase se podia ver as rodinhas dessa cabeça a rodarem a uma velocidade incrível, quase se podia ver o brilho de uma lagrimazita a querer escapar desses olhos. O que se passa?
- Memórias de tempos passados, memórias de amores e paixões que não regressam nunca mais, memórias e mais memórias.
- Entendo! Mas porque não põe para detrás das costas e segue em frente? Existe vida no seu futuro.
- Existe vida sim, mas eu sou aquilo que fiz e vivi,não quero pôr a minha vida para detrás das costas só porque causam dor. A minha vida é o único bem que eu tenho e que levarei comigo quando morrer. Quero-a toda presente.
- Mas isso deve-lhe ser bastante penoso. Sofrer de novo para quê? Passou e não se pensa mais nisso.
- Não é bem assim. Se sofri é porque houve algo de bom que se alterou e passou a causar sofrimento, eu quero esses pedaços bons de volta, quer lembrar-me deles, vive-los novamente nem que para isso volte a sofrer a sua perda.
- Se você está sempre a viver o passado não vive o presente nem terá futuro.
- Bem observado mas não é assim que acontece comigo. Vivo o passado, o presente é sempre o presente e vivo-o intensamente, esta conversa é um exemplo disso, está-me a dar prazer argumentar consigo com um início de tentativa de sedução ao mesmo tempo que já estou a fazer projecções para o futuro, a desenhar todos os possíveis cenários que esta conversa poderá produzir. Faço isto tudo ao mesmo tempo.
- Está-se a meter comigo, está a gozar-me! Replica a rapariga com um tom de voz ofendido.
- Estou a brincar, não a gozar. Existe uma grande diferença. E eu só brinco com pessoas de quem gosto. E a sedução é uma coisa que existe sempre entre um homem e uma mulher. Nós gostamos que o outro goste de nós, mesmo que seja só simpatizar, admirar. A sedução no sentido lato não implica sempre sexo. Embora, você como uma mulher muito bonita que é, seja difícil de não querermos seduzir.
- Oh! Não diga asneiras! Mas voltando ás memórias e á vida. Deve ser muito cansativo essa maneira de se viver, a sua cabeça não deve parar.
- Como tu disseste, vou tratar-te por tu pois como já me declarei e não levei chapaao acho que ganhei o estatuto de te poder tratar por tu. Como disseste, quase que podias ver as rodinhas do meu cérebro a trabalhar, é assim todos os dias, a toda a hora. Se descontraio, adormeço, de exaustão provavelmente. Mas não consigo fugir a este remoinho, sempre a lembrar, a viver e a projectar. Muitas vezes, quando interrompo, fecho os olhos e sonho, sonho vidas que nunca vivi e que nunca viverei, apenas na minha imaginação os vivo. Sonhos e fantasias, milhões de vidas. O problema é manter a coerência, não misturar os sonhos com as memórias reais.
- Se calhar é por isso que estás aqui. Replica a rapariga usando o tratamento por tu. Flipaste totalmente e queimaste os fusíveis. Bolas, não devia estar a falar contigo assim, afinal és um doente e eu não posso dizer estas coisas! Exclama a rapariga tapando a boca com a mão e corando como uma adolescente. 
- Não te preocupes! Desde que o digas quando estivermos a sós não terás problemas. Passa a ser o nosso segredo! Diz Jonas com ar malicioso.
- Hummm! Não estou a gostar muito desse olhar de felino!
- Claro que faço este olhar de felino. O segredo une-nos, dá-nos uma cumplicidade e é altamente sedutor. Eu gosto de seduzir. E quando vi esses teus olhos verdes, fui eu que ficou seduzido, agora vingo-me! Diz Jonas com um sorriso de criança de orelha a orelha.
- Parvo!!! Diz ela corando. Chega de conversa, tenho mais trabalho para fazer e outros malucos para aturar. Põe-te bom!
- Ana! Chama Jonas com um sorriso. Não tenho direito a beijinho de adeus!
Ana abriu os olhos de espanto, não esperava este rápido desenvolvimento, tinha sido apanhada de surpresa. Corou e apenas respondeu com a primeira coisa que lhe veio á cabeça.
- Nunca com a barba por fazer!! E saiu batendo com a porta.

Jonas sorriu, a rapariga agradava-lhe, era bonita sem ser uma estampa, tinha um olhar doce e meigo que o encantava, tinham sido aqueles grandes olhos verdes que o tinham seduzido. E Jonas começou a desenhar todos os cenários possíveis para uma futura relação até que adormeceu, já a noite ia longa.
Lá em cima, no escuro da noite, as estrelas brilhavam intensamente.


24 de Maio de 2015

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Um copo

Gargalhadas, risos e sorrisos
Copo na mão, gelo que se derrete
Conversas, palavras que voam
Ecoam na noite, atingindo a alma
Risos e rostos, cabelos e olhos
Ali, para mim e para ninguém
Vapores quentes que nos libertam
Faltou a palavra mágica
Faltou o gesto, o toque
O paraíso avistado e não encontrado
Doces palavras, doces sorrisos
Quis beijar, a noite que era doce
Fui abraçado pela amargura
Acabei só
Olhando o tecto de uma câmara vazia
Sonhando que um dia


18 de Maio de 2015

Olhando o tecto

Deitado olho o tecto
Amarelo do tempo
Perdia-me na vida antes vivida
Memórias, pedaços de filmes
Maus actores e enredos baratos
Histórias, apenas histórias
Vida esfomeada, louca
Procurando a fome
Querendo a fome
Morrendo todos os dias
Um pouco
O desejo ardendo, penetrante
Deitado olho tecto
Recordando, morrendo cada segundo
Dor pungente sobre o peito
Ânsia de vida, fome de vida
Tanta dor, tamanha dor
Por nada, para nada ter
Por nada alcançar
Deitado sonho, vida vivida
Vida almejada
Aspiro sofregamente, sofro
Falta-me o ar, o alento
Deitado olho o tecto e morro
Mais um dia.


17 de Maio de 2015 

Voava

Voava sobre o oceano
Sentindo o vento a uivar aos ouvidos
Uivos e lamentos de alma sofrida
Voava sobre o oceano de mar azul
De espuma branca
O espírito corria livremente
Tocando a crusta das ondas
Sentindo o frio das águas
Voava sobre o oceano
Preso por correntes, grilhetas de vida
Voava como um preso voa em sonhos
Liberdade nunca tida, nunca alcançada
Voava sobre o oceano
A fome a apertar, a sede a enlouquecer
O vento uivante rugia a sua fúria
No ar, no alto via a vida, espraiando-se
No horizonte longínquo
Asas firmes num voo planado, exaustivo
Olhar penetrante, bico afilado
E nada á vista, o vazio
A fome
A sede
A loucura que tudo escurecia
O sol escondia-se, cansado
As sombras invadiam o dia
Voava sobre o oceano de negras águas
O céu já se confundia, a terra desaparecia
O negro tudo cobria, engolindo a vida
Voando, exausto, nadava na escuridão
De uma noite sem fim
De uma noite fria
Sem estrelas
Sem luar
Apenas eu, a voar sobre o oceano.


17 de Maio de 2015

domingo, 10 de maio de 2015

O terror

Nadava num mar estanhado cor de cinza com a consistência e aparência de chumbo derretido, a vaga mole e larga ondulava a superfície fazendo -me balouçar docemente e elevando um pouco de modo que podia ver a faixa da areia um pouco antes do horizonte e encimada por um renque de árvores de copa ver. Nadava devagar sentindo as presenças á minha volta, vultos que passavam esguios junto de mim, vultos negros e imensos. A inquietação a aumentar, a transformar-se no medo, a escalar para o terror.
Na minha imaginação eu via a fauces horrendas cheias dentes dos tubarões assassinos que me rodeavam, já não consegui nadar, já não os via, apenas os sentia. A sua presença era marcante mas sem nunca se mostrarem, passavam junto e encobertos pela água transformada em chumbo que impedia a minha natação, tolhia-me os movimentos. Abria a boca para gritar e não conseguia arrancar nenhum som da minha garganta, o medo apertava, o terror esmagava-me e eu sentia-me cada vez mais indefeso.
A superfície do mar cor de cinza ondulava e eu já nada fazia, sobrava apenas o terror quando uma sombra enorme avançou, rápida e mortífera, vinda na minha direcção até se transformar numa fiada de dentes...
Acordei alagado em suor, coração palpitante, trémulo. Tinha sonhado outra vez com o mar de chumbo cor de cinza deixando-me abalado, tonto. Só me restava voltar a dormir, o próximo pesadelo já estava á espreita.


10 de Maio de 2015

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O precipício


Á beira do precipício me sinto
Agarrando as nuvens, brancas
Etéreas, passageiras
A dor a entranhar-se, novamente
Insidiosa
Á beira do precipício olho
A vida, que se escoa, ardente
Sento-me e choro
O tempo que morre
Todos os segundos
Uma eternidade


7 de Maio de 2015

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Jonas 7 - O acordar

Jonas acordou com aquela sensação de estar a ser observado, a sensação que a presa sente quando um predador ronda as cercanias cheio de fome. A sensação de terror assolava o seu espírito, o medo do que se escondia para lá das trevas, o medo que lhe tolhia os sentidos, os movimentos. Queria gritar e não saía nenhum som da sua boca escancarada, queria fugir e estava imobilizado, a adrenalina no máximo, o coração a saltar-lhe a boca, a fera a aproximar-se, o terror imenso.
Com um grunhido que lhe soou a um berro na noite Jonas conseguiu abrir os olhos.


- Calma Jonas! Estavas a ter um pesadelo! Acalma-te! Diz Ana, a rapariga que já há muito tempo que tratava daquele ser ali encolhido, sempre atormentado.
 Jonas viu aqueles grandes olhos verdes como lagos de esmeralda que o fixava com ansiedade. Atrás dos olhos estava uma cara de anjo, pelo menos foi o que pareceu, uma cara bonita, alva, envolvida numa cabeleira negra cortado curto. Era a rapariga mais bela que Jonas jamais tinha visto.

- Onde estou? Que faço aqui? Pergunta Jonas reparando no uniforme branco da rapariga.
- Tem estado aqui já há umas boas semanas! Trouxeram-no para cá depois de o terem encontrado!
- Encontrado? Não entendo!
- Deitado á beira mar, meio afogado e sempre que acordava tinha autênticas crises de loucura, tínhamos de o sedar! Lembra-se de alguma coisa? É capaz de me dizer o seu nome?
- Meu nome é....! Meu nome é...! Jonas toma consciência que perdeu tudo, o nome, a identidade, a vida. O seu coração começou a acelerar, a ansiedade a aumentar, o monitor a apitar.
- Tenha calma! Disse a rapariga com voz doce. É um estado passageiro, é natural uma certa desorientação.
Jonas respirava ofegante, o ritmo a baixar, o coração a baixar o ritmo, começou a avaliar a situação.

- Devo ter família que provavelmente estará á minha procura. Tenho impressões digitais por isso posso ser identificado. Deve ser relativamente simples.
- A polícia já tem os seus dados e não conseguiu nada. Ninguém procura ninguém com as suas características. Está a ser um mistério!
- E você gosta de homens misteriosos? Pergunta Jonas com uma gargalhada. Pelo menos não perdi a parvoeira inata!
A rapariga corou ligeiramente e nada disse. Continuou a sua tarefa de arrumar equipamento médico.

- Olhe, eu sou o homem misterioso e você? Como se chama? 
- Ana!
- Prazer em conhecê-la Ana! E obrigado por ter tratado de mim!
- Foi apenas a minha obrigação! Retorquiu a rapariga rapidamente, desviando o olhar. O raio do homem olhava fixamente com um olhar meio louco e penetrante. Ana sentia que aquele olhar lhe perscrutava os pensamentos mais íntimos.
- O seu sorriso não era obrigação de serviço. Era um sorriso de pessoa que se importa e é isso que agradeço.
- Ainda falta algum tempo para o almoço, quer comer alguma coisa? O médico deve estar a chegar.
- Eu espero! Resmunga Jonas virando-se de costas.

A rapariga saiu do quarto e dirigiu-se para a sua mesa, escrever o relatório e terminar algumas tarefas e rotinas.

- Onde estiveste? Pergunta João com ar macilento, barba por fazer e ar descuidado.
João nunca mais tinha recuperado daquele maldito almoço onde perdeu a mulher, a namorada e quase a vida. Estava em decadência, sabia-o e não conseguia evitar. O próprio trabalho começava a ser um inferno, encarar diariamente, trabalhar diariamente com aquela que tinha amado, que desejava loucamente transformava a sua vida num inferno.
João olhava para Ana e as suas memórias voavam, cruzavam o céu deixando rastos de fogo que lhe incendiava a alma, o leve cheiro dela chega-lhe ás narinas carregando com ele todos os sabores de noites passadas juntos. Ela tinha-se afastado.

- A fazer o meu trabalho e parte do teu! Responde Ana bruscamente olhando-o de frente, desafiadoramente. E é bom que comeces a fazer as tuas tarefas pois cada vez tenho menos paciência de aturar meninos birrentos.
João olha aqueles lindos olhos verdes, carregados de fúria e perdeu-se.

- Larga-me sua besta! Estás-me a magoar! Grita a rapariga furiosa e receosa daquele ataque estúpido e tresloucado. Olhando em volta, agarra numa bandeja e atinge o seu agressor na cabeça.
De imediato o monitor de sinais vitais começa a ressoar.

Jonas sentiu uma pancada brutal na cabeça e nunca percebeu o que lhe tinha acontecido, só queria ir á casa de banho, a sua habitual reserva tinha-lhe impedido de chamar a enfermeira, tentou e desfaleceu. 
A mancha no tecto branco lá estava, ele via-a numa névoa vermelha. Algo estava errado, estendia a mão e nada sentia, a visão parecia-lhe olhava por meio de um tubo de cartão negro, as cores a ficarem sépia, a respiração cada vez mais ofegante, o mal estar a invadir-lhe o corpo. Um mal estar generalizado, parava-lhe o corpo, queria vomitar e nada saía. Estava fraco e fechou os olhos e acordou encerrado numa cúpula toda negra, a ausência total de luz, de som, de cheiros, de tudo o que fossem sentidos, não sentia o corpo, sentia apenas que não respirava, afogava-se no nada, abria a boca e saíam golfadas de nada, começou a sufocar, começou a morrer lentamente, escorregando para o nada até que a própria escuridão se apagou.


- Que aconteceu? Pergunta o médico olhando para aquela cena caótica, o corpo de João, no chão, enrodilhado e sangrando abundantemente da cabeça.
- Ele atacou-me! Grita Ana com um leve tom de histeria na voz. Está totalmente descontrolado! 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Jonas 6 - A verdade

- Ana, apresento-te a minha mulher, Luisa! Diz o rapaz com ar ligeiramente comprometido, cara corada, enquanto puxava de uma cadeira para que a rapariga, sua colega, se sentasse no restaurante que tinham combinado encontrarem-se. Ana queria conhecer a mulher de João.
- Bom dia Luisa! O João não fala muito de si e não entendo a razão, é tão bonita! Diz a rapariga estendendo a mão e olhando com olhos fixo como um felino á beira de um ataque.
Luisa, mulher um pouco mais velha, de cara e corpo bonito, sorriso agradável e olhos emanando segurança apenas retorquiu.
- Porque ele é um tolo! E sempre me garantiu que a sua colega de trabalho era uma velha chata.
- Alto lá! Eu disse que ela parecia uma velha chata, pelo menos nos primeiros dias!
- E depois apaixonaste-te como de costume não foi? Retorquiu Luisa com voz gélida. E virando-se para Ana perguntou:
- Porque me quis conhecer? Sentiu-se enganada quando soube que esse mongo era casado? E quis conhecer a coitada?
- Não sejas assim Luisa, ela não tem culpa e ninguém te trata como coitada. Eu descaí-me e ela descobriu. Apenas quis pôr tudo em pratos limpos.
- Quando se faz merda aguenta-se com a pancada e não se arrasta ninguém. Descobriu, tinha duas soluções, continuava como estava e ia dando umas quecas até se fartar ou abandonava o barco, deixava-te e não incomodava ninguém. EU não tinha de saber, eu não precisava de saber. Percebeu menina? Agora vou escolher que estou com fome! E dizendo isso pegou no menu e começou a le-lo.
Ana corou intensamente com a tirada simples e directa de Luisa, não esperava aquela atitude, ela que sabia tudo e tudo sabia ficou sem palavras e começou a examinar a lista de vinhos.
- Eu cá vou pelo bife com ovo a cavalo e molho de cogumelos, estou cá com uma fome!
Se o olhar matasse João teria caído morto nesse momento com o olhar que as duas se lhe dirigiram.

Jonas sentia-se perdido naquele pântano de águas fétidas, caminhava enterrando as pernas até aos joelhos em lama mole que o sugava gulosamente para o seu interior. Jonas fugia daquela velha inimiga, aquela que o perseguia sempre, aquela que o levava para campos de loucura insana. A perseguição continuava, implacável, não havia lugar no universo para se esconder, ela encontrava-o sempre. Apanhava-o e mordiscava-o, dentadas pequenas de dor intolerável, sangue escorria fluido até se coagular fechando feridas frescas em velhas recordações. A sua inimiga aparecia sempre de surpresa, de sorriso nos lábios, beijava-o como se de uma amante se tratasse e magoava-o com as doces palavras sussurradas ao ouvido deixando Jonas desconcertado, impotente. Ela afastava-se então com uma gargalhada, riso cristalino capaz de derreter um bloco de gelo. Jonas tentava a todo o custo fugir. Escondia-se nas montanhas, enterrava-se no deserto, mergulhava nos oceanos e era sempre descoberto e era sempre torturado por aquela que ele, com o tempo começou a odiar, aquela que ele um dia amou perdidamente. Hoje perseguia-o implacavelmente e Jonas enterrava-se na lama peganhenta, pútrida que o começava a engolir.
Desesperado olhou para cima fixando os olhos daquela que ia causar a sua morte e gritou:
- Eu morro e tu vais atrás!
- Eu sei! Eu amo-te, eu sou a tua consciência! Gritou ela saltando por cima de Jonas levando-o para as profundezas daquele pântano podre.

- És um idiota! Grita Luisa fora de si olhando Ana tentando reanimar João que morria sufocado no chão rodeado dos restantes comensais que assistiam á cena com piadas idiotas.
- Comes que nem uma besta e depressa, depois é isto! Volta Luisa gritar.
- Está a voltar a si! Arqueja Ana exausta do esforço da reanimação.
- Esse idiota fez esta fita toda para termos pena dele e não o abandonarmos!
- Não seja assim! Ele quase morreu! Diz Ana tentando acalmar a mulher do seu amante.
- Se ele morresse eu ficaria com a pensão e você a chuchar no dedo, ele não morreu, você fica com ele e eu fico livre! Grita Luisa que abandona o restaurante a correr com um rio de lágrimas a escorrer olhos fora.

Jonas abriu os olhos e sorriu de alegria, tinha regressado a casa, o seu lar varrido por ventos ciclónicos que ele tinha aprendido a amar. Sentado no alpendre do seu casebre Jonas olhou o céu estrelado e viu que ela lá estava, a sua Vénus, sorridente, chamando-o. Tão inacessível, tão longe. A adaga fina da dor começou a trespassá-lo, as memórias a flutuarem á superfície, encravando o escoamento fluido das águas. Jonas lembrou-se então, estava perdido, tinha perdido, procurou desesperado. A sua ancora tinha desaparecido, aquele pequeno ponto de sujidade num tecto branco tinha desaparecido, aquele ponto em que ele se agarrava para se manter são tinha deixado de existir. No céu as nuvem encobriram a sua Vénus levando-a para longe, a solidão voltou a assolar Jonas, o manto escuro da solidão, o aperto no peito, a dificuldade em respirar, o ar a faltar, os sentidos a sumirem-se.

- Não me deixes Ana! Eu tentarei explicar-te! Suplica João desfalecendo novamente.


O aparelho de suporte de vida berrou violentamente acordando o pessoal técnico que acorreu prontamente.
O desgraçado no seu pequeno catre estrebuchava violentamente de olhos desorbitados e raiados de sangue.


3 de Maio de 2015

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Jonas 5 - A paixão

Deitado no seu pequeno catre sonhava, de olhos fixos no tecto branco. Sonhava com o som da música que fluía lá ao longe, um lamento longo e belo de alguém, possuído por tamanha paixão a cantava assim. As notas vogavam no ar arrancando anéis de poeira no espirito carcomido de Jonas. As lágrimas corriam livres acompanhando os acordes de tal melodia, serpenteava, encaracolava como só uma mulher apaixonada é capaz, o som vibrante saía claro e cristalino, bafo quente de paixão que aquecendo a alma causa-lhe tremuras de ansiedade, o não conseguir alcançar aquelas notas fazia-o enlouquecer.  
Tremia, a ansiedade a tomar conta dele, a música a ressoar baixinho no seu espírito. O peito apertado num torno invisível que lhe tolhia a respiração, acelerando o coração, as batidas casa vez mais rápidas, a boca aberta ávida de ar, a dor no peito, a morte a avançar lenta mas inexorável. A noite começou a cair,na escuridão a avançar.

Podes para com essa música um bocado? Pede a rapariga com ar cansado de uma noite de trabalho, olhos encovados e cabelos despenteados. Ela canta bem mas é um bicado deprimente. Preciso de uma coisa mais alegre!
- Se quiseres ponho a Julieta, tenho aqui um álbum da Julieta! Pergunta o rapaz com ar de gozo.
- Julieta? Ouves isso? Ou estás a pensar em caçar pitinhas pequenas?
- Náaaaa! A minha sobrinha carrega o player com estas músicas quando me apanha distraído. Quando vai lá a casa visitar-nos o mp3 player é dela! Diz o rapaz com ar embevecido.
- Um momento! Exclama a rapariga com um tom de voz gelado. Visitar-nos? Nos? Quem é nós? Não vives sozinho?

E o silêncio estabeleceu-se entre aquelas duas almas, os dois olhando um para o outro, olhares diferentes mas ambos implorantes. Que seja mentira, vou perde-la..

- Eu vivo com a minha mulher! Ainda não tive coragem de te contar. As coisas aconteceram muito de pressa...
- Granda cabrãooooo!.... ÉS CASADO!!!! Porco! E escondias-me isso! 
- Apenas tive medo que te perdesse. O que aconteceu não estava á espera, não foi planeado. Aconteceu....
- Mais uma parva no rol é o que é...
- ... E desenrolou-se de tal maneira que perdi o controle. Da situação e de mim. Fiquei com medo de te perder.
- Pois perdeste mesmo! Desaparece da minha vida! Grita a rapariga com os olhos cheios de amargas lágrimas e correndo para fora da sala refugiando-se na casa de banho. Um uivo longo e sumido saiu trazendo toda a dor de uma alma abandonada, perdida, naufragada.

O rapaz, de olhar esgazeado, brincando com o mp3 ligou nova música aumentando a dor que se escoava pelas salas, inundando tudo com as suas águas negras. A negação mais uma vez a fazer a sua visita, a negação da vida, as sombras que tudo cobrem, a solidão extrema, a tristeza, tão cinzento, tão negro que as lágrimas começaram a correr. A morte seria libertadora mas ela tardava, ela tardava sempre deixando para trás um ser miserável. Ouvindo aquela diva que cantava aos deuses, aquela diva que tinha tocados os deuses e sido recompensada com o dom de uma voz mágica, que enfeitiçava, prendia, submetia qualquer mortal. O rapaz soluçava lágrimas de dor quando o besouro tocou.
O treino agiu imediatamente e correu para os monitores.

Jonas morria placidamente ao som da sua querida, ele estava apaixonado e ela matava-o com a sua beleza. Jonas abandonou-se naquela corrente que o levava para o paraíso da beleza.

- O que aconteceu? Perguntou a rapariga.
- Está-se a deixar. Está a morrer!
- Faz qualquer coisa... Vou buscar a injecção! 
E os dois mais uma vez, como uma equipa, entraram em accão aguentado os sinais vitais até estabilizarem aquele ser deitado na pequena cama.



Uma faca espetou-se no coração de Jonas levando-o num turbilhão de dor e confusão, o ar a entrar fresco nos seus pulmões, abriu os olhos. Um olhar esgazeado, confuso, louco e viu. A pequena mancha negra no tecto impecavelmente branco do seu quarto, sorriu, feliz e adormeceu assumindo uma posição fetal.