Jonas caminhava lentamente, pesadamente, todo um peso de uma existência em cima dos seus ombros que começavam a denunciar os anos de desgaste, a pele a enrugar, os músculos a mirrar. Jonas caminhava de olhar perdido no horizonte sem fim, torrado pelo sol abrasador do meio dia.
As areias finas entravam escaldantes como jorros de lava nos seus sapatos já gastos da caminhada e dos anos. Os grãos ardentes entravam em contacto com a pele e cada passo era como se de uma lixa esfregasse a pele já vermelha de sangue e aguadilha das imensas bolhas que apareciam e borbulhavam devido á caminhada sem fim. A dor dos pés há muito que tinha sido ignorada, os lábios gretados e ressequidos abriam-se num grito mudo de uma sede imensa por saciar.
Os olhos, queimados pelo sol, irritados pela poeira gritavam e tentavam futilmente soluçar, chorar por uma lágrima perdida que conseguisse trazer um pouco de alívio, as imagens já eram indefinidas, apenas a linha do horizonte bailava ao sabor das vagas de calor separando um azul cru de um amarelo torrado pelo sol.
Jonas caminhava, tinha de chegar ao seu destino, era de sua responsabilidade o simples facto de chegar, os custos não interessavam, poderia morrer depois mas só depois de chegar. Jonas cumpria a sua obrigação como sempre fez, como sempre viveu, caminhando, atravessando mares e oceanos, pântanos e desertos, nunca parando.
Arfava, respirar era penoso, as vias todas ressequidas exauria-lhe as forças, tentava chupar a língua para obter um pouco de saliva afim de humedecer a garganta, o simples acto de respirar fazia com que o deserto lhe roubasse cada vez mais água, precisava de beber, precisava de descansar.
Já há muito que tinha deixado cair um sapato, não tinha tido coragem de voltar um passo atrás e apanhá-lo, o esforço teria ido demasiado violento, automaticamente o seu pequeno cérebro dava a ordem ás pernas para se moverem alternadamente. A planta do pé em sangue, a areia a entrar pelos pequenos rasgões entranhando-se na carne, a dor de tão intensa já tinha passado para outro estágio, apenas uma muito intensa fadiga o invadia. Um fim do dia que se punha, transformando as cores em sépias e anis, escurecendo a visão carregando consigo um mal estar tão intenso que Jonas começou a vomitar, inicialmente um pouco de ácido que o seu estômago ainda conseguia produzir e no fim apenas convulsões gritantes. Jonas arrepanhava a boca num ríctus de esforço, não parava, não vacilava e a noite punha-se estrelando o céu de cintilações cada vez mais brilhantes até ao oblívio.
Numa cama branca, num quarto todo branco de paredes acolchoadas um homem e uma mulher olhavam para o vulto que se contorcia, amarrado numa camisa de forças. O homem estava desacordado mas remexia-se num pesadelo que só ele conhecia, que só ele vivia.
- Este parece que queimou os fusíveis, foi encontrado numa praia a andar sem destino até cair! Exclamou o homem vestido de branco a condizer com a sala. Por enquanto nasceu outra vez pois foi encontrado mesmo no limite.
- Quem é? Sabem quem é o sujeito? Pergunta a jovem mulher.
- A polícia não tem a certeza, tinha um bilhete meio apagado com uma nota escrita por mão de uma criança onde se lia: "jonas o meu v..." O resto estava ilegível. Mas ficou registado como Jonas.
Que significará o "v"?
- Pelo aspecto dele só se for de velho! Responde o homem soltando uma gargalhada.
Jonas ouviu um som conhecido ao longe, ecoando em paredes e labirintos. O som ecoava cada vez mais forte até Jonas o identificar, o som de uma gargalhada, alguém se ria alarvemente de uma estúpida piada qualquer irritando Jonas, tirando-o do seu limbo. Já colérico abriu os olhos.
- Olha! Disse a jovem mulher. Ele acordou!
- Porra, logo agora no fim do nosso turno. E sem hesitar dá uma injecção de um calmante qualquer atirando Jonas para um limbo sem história, desligou-se novamente.
Jonas abriu os olhos e chorou, estava no início do seu deserto outra vez. Sentou-se no chão e chorou convulsivamente sendo apenas ouvido pelas pequenas pedras que se banhavam na areia escaldante.
Levantou-se e começou a andar...
22 de Abril de 2015
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Nobita escreveu: