O génio
Jonas, sentado na borda da cama
olhava aquele objecto brilhante que jazia inerte na sua mão, o pescoço
espartilhado por um laço ridículo fazia-o arfar. Suspirou e calçou o sapato
negro, brilhante, reflectindo as luzes do candeeiro com umas matizes estranhas.
Jonas sorrio, aquele brilho tinha padrões que se encaixavam de uma forma
perfeito numa racionalização. O sorriso depressa desapareceu quando sentiu o
seu pé apertado e asfixiado naquele pequeno ataúde de cabedal.
-
Tenho de usar
mesmo esta farpela? Lamenta-se com voz lamuriosa, já sabia de antemão a
resposta.
-
Não te demores
que já estás a ficar atrasado! Disse-lhe docemente a sua companheira
ajeitando-lhe o cabelo e sacudindo um pó imaginário nos ombros de Jonas.
-
Só por causa de
um papel que eu escrevi e chateiam-me com estas coisas! Podias ir por mim,
explicavas que estava doente. Dizias-lhe que o papel tinha sido uma piada,
aliás é uma piada.
-
Não sejas parvo!
Sabes bem que o teu trabalho vale mais do que uma piada!
-
É uma piada!
Ainda hoje me rio a ver a cara deles ao ler a descrição do nascimento de um
campo de forças, o seu desenvolvimento e desaparecimento numa explosão caótica
de energia em entropia total...
-
Eles julgam o
contrário!
-
Eles são burros,
aquilo é a representação matemática de um orgasmo! A piada é essa! O que eu me
ri daquele ser iminente que relacionou com a anti-matéria, o pedantismo com que
fez a análise.
-
Vamos... Estás
pronto!
Era um anfiteatro imenso, um
palco enorme com um quadro negro baço, manchado de marcas apagadas de giz. O
anfiteatro tinha a beleza da antiguidade, do clássico. O orador podia escrever
que todos teriam acesso. Ao mesmo tempo tinha um ar austero que intimidava,
gerações de sumidades ali tinham apresentado a sua sapiência, altaneiros,
elevados nas suas cátedras. Esse ambiente belo mas aterrador intimidava Jonas,
sentado na primeira fila, tentando alargar o colarinho ridículo que o
asfixiava. Jonas olhava para o orador e viu as ondas sonoras emanadas da sua
boca, espalhavam-se de um forma harmoniosa até atingirem um obstáculo,
reflectiam-se, entrechocavam-se, criavam ondas derivadas que por sua vez se
encontravam com as outras ligeiramente desfasadas no tempo que saíam doa
altifalantes, ondas essas que vinham aplainadas pelos filtros. Jonas via o som
no ar, tão alterado pelas interferências, choques e reflexos e pensou que se o
som tivesse cor estaria agora no meio do oceano. Sorriu com a comparação, a
entropia do oceano só é visível á superfície, no seu seio não é tão aparente. O
seu sub-consciente mergulhou no meio das águas revoltas onde viu os vórtices,
as camadas. A misturarem as suas diferentes densidades, correntes que corriam
velozes soltando pequenos vórtices de água, Jonas sorriu, afinal estava num
oceano de som. Quando de repente tudo desapareceu, as ondas morreram, ficou o
vazio e Jonas flutuava perdido.
-
Estás na lua?
Estão á tua espera! É o teu momento! Acotovela-lhe sussurrando a sua
companheira.
O terror tomou conta do seu
espírito, tinha chegado o momento, estava ali para a matança, ía ser sacrificado.
Levantou- se da cadeira e cambaleou, bêbado de adrenalina, o sangue pulsava nas
suas têmporas, sangue quente, fluido iluminando-lhe o cérebro, trazendo-lhe a
luz que há muito ansiava. Caminhou, resoluto, para o palco, a audiência
aplaudia mas Jonas já não navegava, estava agora numa viagem cósmica, o vazio á
sua volta, estrela brilhavam no firmamento aumentando as sinapses, levando a
frequência das sinapses a um ritmo alucinante.
No púlpito, fez um ligeiro aceno
para o apresentador e dirigiu-para o quadro e começou a escrever.
0 = x - x
Depois desenvolveu cada x numa
equação diferente mas ambas complexas. E foi subindo na sua complexidade.
Desenhavam-se ali conceitos complexos, quânticos, relativistas. Alguém suspirou
na audiência, tinha visto a anti-gravidade ou algo que a poderia explicar.
Outro julgou ver a anti-matéria.
O quadro enchia-se de conceitos e
todos estranhamente ligados pelo sinal de igual quando de repente as equações
começaram a ser mais curtas e cada vez mais estranhas.
Jonas resfolegava, casaco no
chão, laço arrancado, camisa fora das calças e cada vez mais enlouquecido
chegava ao fim dos seus cálculos.
lim x (n ->i) = lim x(n->0)
Jonas olhou para o resultado de
olhos abertos, lágrimas corriam loucas cara abaixo, soluçava como um criança
quando sentiu alguém a segurar-lhe nos braços, uma voz doce e uma picada num
ombro que o levou á escuridão total.
A audiência estava agitada,
discutiam o que viam, alguns recusavam-se a ver sequer, não tinham tempo para
loucos. A organização agiu rapidamente, mandou filmar todo o quadro, gravar
toda a prova, poderia ser útil mais tarde, estavam ali conceitos que nunca
tinham sido vistos nem abordados.
Uma pessoa manteve-se sentada,
olhar fixo na equação final, chorava de mansinho lágrimas de dor.
-
Não se preocupe
minha senhora! Ele será bem tratado, provavelmente teve um esgotamento. Nada
que um bom descanso não trate.
-
Você não consegue
entender se não conhecer a história. Tem de a conhecer para entender aquela
maluqueira de equações.
-
Você entende?
Pergunta desconfiado o organizador do evento. Entende aquela matemática?
-
De maneira
nenhuma! Aquilo é chinês para mim! Só o resultado tem um grande significado
para nós os dois. Ele começou com um zero e partir daí evoluiu e pelo que o
conheço estava á deriva nos conceitos, uns atrás dos outros até começar a
encontrar um fim e ir até lá. Chegou e enlouqueceu de dor. Como eu estou agora.
-
Pode-me dizer?
Dá-me uma pista?
-
Zero é igual á
equação final. Quando n é infinito e n é zero, é tudo zero, acabou. Vive apenas
no cosmos, no universo, na memória.
-
Não entendo...
-
Nós chamávamos
Nino á nossa neta.... E dizendo isto a companheira de Jonas desmanchou-se num
pranto silencioso entrecortado por um soluçar de dor. Ali no meio, vocês podem
ver a vida e aprender com ela.
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Nobita escreveu: