sábado, 13 de agosto de 2016

O génio

O génio

Jonas, sentado na borda da cama olhava aquele objecto brilhante que jazia inerte na sua mão, o pescoço espartilhado por um laço ridículo fazia-o arfar. Suspirou e calçou o sapato negro, brilhante, reflectindo as luzes do candeeiro com umas matizes estranhas. Jonas sorrio, aquele brilho tinha padrões que se encaixavam de uma forma perfeito numa racionalização. O sorriso depressa desapareceu quando sentiu o seu pé apertado e asfixiado naquele pequeno ataúde de cabedal.
-     Tenho de usar mesmo esta farpela? Lamenta-se com voz lamuriosa, já sabia de antemão a resposta.
-     Não te demores que já estás a ficar atrasado! Disse-lhe docemente a sua companheira ajeitando-lhe o cabelo e sacudindo um pó imaginário nos ombros de Jonas.
-     Só por causa de um papel que eu escrevi e chateiam-me com estas coisas! Podias ir por mim, explicavas que estava doente. Dizias-lhe que o papel tinha sido uma piada, aliás é uma piada.
-     Não sejas parvo! Sabes bem que o teu trabalho vale mais do que uma piada!
-     É uma piada! Ainda hoje me rio a ver a cara deles ao ler a descrição do nascimento de um campo de forças, o seu desenvolvimento e desaparecimento numa explosão caótica de energia em entropia total...
-     Eles julgam o contrário!
-     Eles são burros, aquilo é a representação matemática de um orgasmo! A piada é essa! O que eu me ri daquele ser iminente que relacionou com a anti-matéria, o pedantismo com que fez a análise.
-     Vamos... Estás pronto!

Era um anfiteatro imenso, um palco enorme com um quadro negro baço, manchado de marcas apagadas de giz. O anfiteatro tinha a beleza da antiguidade, do clássico. O orador podia escrever que todos teriam acesso. Ao mesmo tempo tinha um ar austero que intimidava, gerações de sumidades ali tinham apresentado a sua sapiência, altaneiros, elevados nas suas cátedras. Esse ambiente belo mas aterrador intimidava Jonas, sentado na primeira fila, tentando alargar o colarinho ridículo que o asfixiava. Jonas olhava para o orador e viu as ondas sonoras emanadas da sua boca, espalhavam-se de um forma harmoniosa até atingirem um obstáculo, reflectiam-se, entrechocavam-se, criavam ondas derivadas que por sua vez se encontravam com as outras ligeiramente desfasadas no tempo que saíam doa altifalantes, ondas essas que vinham aplainadas pelos filtros. Jonas via o som no ar, tão alterado pelas interferências, choques e reflexos e pensou que se o som tivesse cor estaria agora no meio do oceano. Sorriu com a comparação, a entropia do oceano só é visível á superfície, no seu seio não é tão aparente. O seu sub-consciente mergulhou no meio das águas revoltas onde viu os vórtices, as camadas. A misturarem as suas diferentes densidades, correntes que corriam velozes soltando pequenos vórtices de água, Jonas sorriu, afinal estava num oceano de som. Quando de repente tudo desapareceu, as ondas morreram, ficou o vazio e Jonas flutuava perdido.
-     Estás na lua? Estão á tua espera! É o teu momento! Acotovela-lhe sussurrando a sua companheira.
O terror tomou conta do seu espírito, tinha chegado o momento, estava ali para a matança, ía ser sacrificado. Levantou- se da cadeira e cambaleou, bêbado de adrenalina, o sangue pulsava nas suas têmporas, sangue quente, fluido iluminando-lhe o cérebro, trazendo-lhe a luz que há muito ansiava. Caminhou, resoluto, para o palco, a audiência aplaudia mas Jonas já não navegava, estava agora numa viagem cósmica, o vazio á sua volta, estrela brilhavam no firmamento aumentando as sinapses, levando a frequência das sinapses a um ritmo alucinante.
No púlpito, fez um ligeiro aceno para o apresentador e dirigiu-para o quadro e começou a escrever.

0 = x - x

Depois desenvolveu cada x numa equação diferente mas ambas complexas. E foi subindo na sua complexidade. Desenhavam-se ali conceitos complexos, quânticos, relativistas. Alguém suspirou na audiência, tinha visto a anti-gravidade ou algo que a poderia explicar. Outro julgou ver a anti-matéria.
O quadro enchia-se de conceitos e todos estranhamente ligados pelo sinal de igual quando de repente as equações começaram a ser mais curtas e cada vez mais estranhas.
Jonas resfolegava, casaco no chão, laço arrancado, camisa fora das calças e cada vez mais enlouquecido chegava ao fim dos seus cálculos.

            lim x (n ->i) = lim x(n->0)

Jonas olhou para o resultado de olhos abertos, lágrimas corriam loucas cara abaixo, soluçava como um criança quando sentiu alguém a segurar-lhe nos braços, uma voz doce e uma picada num ombro que o levou á escuridão total.

A audiência estava agitada, discutiam o que viam, alguns recusavam-se a ver sequer, não tinham tempo para loucos. A organização agiu rapidamente, mandou filmar todo o quadro, gravar toda a prova, poderia ser útil mais tarde, estavam ali conceitos que nunca tinham sido vistos nem abordados.

Uma pessoa manteve-se sentada, olhar fixo na equação final, chorava de mansinho lágrimas de dor.
-     Não se preocupe minha senhora! Ele será bem tratado, provavelmente teve um esgotamento. Nada que um bom descanso não trate.
-     Você não consegue entender se não conhecer a história. Tem de a conhecer para entender aquela maluqueira de equações.
-     Você entende? Pergunta desconfiado o organizador do evento. Entende aquela matemática?
-     De maneira nenhuma! Aquilo é chinês para mim! Só o resultado tem um grande significado para nós os dois. Ele começou com um zero e partir daí evoluiu e pelo que o conheço estava á deriva nos conceitos, uns atrás dos outros até começar a encontrar um fim e ir até lá. Chegou e enlouqueceu de dor. Como eu estou agora.
-     Pode-me dizer? Dá-me uma pista?
-     Zero é igual á equação final. Quando n é infinito e n é zero, é tudo zero, acabou. Vive apenas no cosmos, no universo, na memória.
-     Não entendo...

-     Nós chamávamos Nino á nossa neta.... E dizendo isto a companheira de Jonas desmanchou-se num pranto silencioso entrecortado por um soluçar de dor. Ali no meio, vocês podem ver a vida e aprender com ela.


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Nobita escreveu: