terça-feira, 16 de agosto de 2016

Dois loucos

Jonas falava com o seu companheiro de recreio, a sala de convívio reunia uma confusão de gentes e mentes. Aquele com quem Jonas falava era um indivíduo deveras interessante para Jonas, ouvia e não tentava chamá-lo á razão, embevecia-se a ouvir Jonas, ás vezes com o nojento hábito de se babar. Jonas não sabia o seu nome, chamava-o pelo genérico nome de Tu.
- Tu estás a ouvir? A coisa que mais me irrita nas publicações pseudo científicas para atrasados mentais como nós, mais como tu! Disse Jonas com um risinho. O que me chateia é a visualização do buraco negro. Representam-no sempre como uma rede de elástico com uma bola pesada no meio que a deforma. Essa merda chateia-me pois tida a gente sabe que um ponto de massa gravítica infinita é uma coisa tridimensional, pelo menos neste universo que conseguimos ver. Os nossos olhos estão desenhados para as três dimensões e o nosso cérebro consegue acrescentar a quarta dimensão, o tempo. Esses conceitos não me chateiam, o raio do buraco negro, esses sim, chateia-me com aquele desenho idiota. Deve ser para gajos como tu...
- Eu o quê? Claro que vejo buracos negros, basta-me olhar pela fechadura do meu quarto á noite. Está tudo escuro do outro lado.
- Estás-me a dar razão! A representação deles é como se espreitassem pelo buraco de uma fechadura. Eu, por meu lado, gosto de ver as coisas como elas são. Uma massa infinita deforma o espaço em três dimensões e eu tenho partido a cabeça tentando visionar o campo de forças a deformar-se em três dimensões. Só quero visionar, não quero explicar. Como se costuma dizer, um desenho vale por mil palavras.
- E consegues ver?
- Hummm! O máximo que consegui foi uma bola de nada, negra,.... ahahah, um buraco negro na minha cabeça.
- É por causa desse buraco na cabeça que estás aqui, não é?
- Consigo ver a retícula tridimensional que rodeia o tal buraco negro sem ser afectado, pelo menos visivelmente mas á medida que essa retícula se aproxima da massa infinita deforma-se até ser vista como uma esfera negra cheia de vectores convergentes que mergulham naquela área negra onde deixa de haver tempo e tudo colapsa num único ponto. Tás a ver? Consegues imaginar?
- Do género da almofada de alfinetes como os das costureiras?
- Se não te babasses tanto até pensaria que está alguém a espreitar atrás desses olhos. Sim como a almofada de alfinetes. Mas não consigo ver bem, conceber bem os estados intermédios. A imagem na minha cabeça fica difusa, as linhas misturam-se, falta-me a disciplina de racionalizar linha por linha em três dimensões, ou nos três sentidos. Tenho perdido muitas horas de sono a tentar imaginar isso.
- Também perco muitas horas de sono a espreitar pela fechadura para ver se consigo ver a enfermeira...
- Depois tenho a massa cinzenta, um conjunto de vectores a convergirem num único ponto, cinzenta por fora e aumentando a negrura á medida que se aproxima do centro. Depois o choque final. O centro onde todos os vectores convergem fazendo uma acumulação enorme de matéria e energia. Ok, tudo bem e depois? A perfeição não existe, para o centro ser perfeito todos os vectores teriam de ser iguais mas basta um pequeno grão de areia para desequilibrar aquilo tudo. Desequilibra-se e depois? Nada sai pois a massa gravítica é infinita, por isso é negra. Para onde vai?
- Falas muito depressa. Não percebi bem...para onde vão os alfinetes...?
- Sim, sim! Para onde vão os alfinetes? Se o universo nasceu e criou um buraco negro seria natural que entrasse em colapso logo a seguir pois as massas gravíticas infinitas criam-se e auto-alimentam-se. Se eu estou aqui aqui meio louco no meio dos loucos é porque acontece mais qualquer coisa.
- Os alfinetes caem e perdem-se?
- Olha que até me deste uma boa ideia. Mudam de fase. Isto é fácil de dizer mas tenho de ver, se não consigo ver fico maluco... Tenho uma ideia aproximada, quando sonho, quando fecho os olhos penso que estou numa praia, até consigo sentir o sol a queimar-me as costas e os pés a gelarem na água fria, acordo e estou no mesmo sítio, deitado na minha cela mas também estive na praia. Durante uma fracção de segundo estive nos dois sítios. O mesmo acontece no interior daquele ponto minúsculo onde se projectam os vectores, distorcem o espaço tempo e a matéria explode noutra dimensão ou noutro ponto do universo. Desta forma os pequenos grãos de areia que poderiam distorcer o processo são absorvidos, melhor, as distorções quando se manifestam já estão noutra dimensão ou na outra extremidade do universo criando novas galáxias, novas vidas. Eh pá! Tu até me estás a ajudar... ainda ganhas o Nobel... é pena é estares a babar-te outra vez.
- Mas se os alfinetes caírem no chão vais perder alguns...
- Os alfinetes nunca se perdem, mais tarde ou mais cedo alguém vai cravar um deles nos pés, esses malucos têm a mania de andarem descalços. Mas a tua pergunta é engraçada. Sabes, existem um gajos ainda mais malucos do que nós que tentam partir a matéria em pedaços cada vez mais pequenos, átomos, electrões, neutrões, leptões, mesões, etc etc. E todos os dias descobrem coisas novas, fazem grandes fórmulas e cálculos e aquilo vai batendo certo. Mas o que se passa no interior de uma massa gravitica infinita passa-se no interior da matéria. Imagina somar nada a nada. O resultado é nada. Mas se somares uma quantidade infinita de nadas vais começar a ter algo, apenas o raciocínio inverso das metades, para chegares a um determinado ponto tens de percorrer uma metade e assim ad eternum, nunca lá chegas. Mas chegas.. e porquê? Porque a partir de certa altura dás um salto e passas para outra realidade, estás do outro lado do limite. Com o nada é a mesma coisa, juntando uma infinidade de nada, de repente dás um salto para o outro lado e tens uma partícula primitiva, seja ela de energia ou de matéria, o que é a mesma coisa, e a partir daí começas a criar matéria, a criar um universo. Mas começas a ter um problema. Que fazer com tanta matéria que se cria? Junta-se em massas criando os tais ponto de massa gravitica infinita que por sua fez colapsa e se recria noutro lado. Muda de fase.
Acho que te passaste e já me cansas com essa conversa. Vou para a janela apanhar sol antes que nos fechem nos quartos outra vez.
- Espera, falta a última visão. Um toroidal formado de esferas, cada esfera um universo que ao mudar de fase muda ligeiramente de posição percorrendo o toroide até chegar á posição inicial recomeçando o ciclo da vida.
- Jonas! Acabou o intervalo. Toma os comprimidos e não chateies os outros doentes! Disse o enfermeiro pondo os comprimidos na boca de Jonas e dando-lhe água para beber. Vamos para a cela para te tirar o colete de forças! Deves estar a precisar de aliviar a bexiga!
- Apetecia-me comer um donut! Disse Jonas com voz sumida! Gosto daquela forma, sinto-me renascer.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nobita escreveu: