sábado, 7 de maio de 2011

A despedida

- Vais morrer vovô?? Perguntou a pequenita olhando com os seus grande olhos castanhos. A surpresa e a incompreensão estampada no seu olhar, era a primeira vez que via alguém que ia morrer, não conseguia abarcar bem o sentido da palavra.
- Parece que sim minha querida mas não te preocupes com isso! Respondeu Jonas estendido na cama, cara marcada pelas dores e sofrimento das últimas semanas de doença terminal, cara marcada pela dor de perder o crescimento da sua neta que ali á sua frente o olhava com ar aflito, pela dor de uma vida.
Jonas estava doente, sentia-se doente quando foi fazer os seus exames de rotina, fazia-os mais porque a sua profissão assim o obrigava.

- Isto está mau! Disse a doutora com um suspiro. Mesmo muito mau, vamos fazer um exame para confirmar este resultado.
- Quanto mau doutora? Pergunta Jonas á sua médica de longa data que já o conhecia por dentro e por fora e por quem já sentia uma ligação. Diga-me já senão a minha imaginação e a pesquisa na internet vão-me fazer tirar conclusões erradas logo decisões erradas. Qual a suspeita e que teste vou fazer?
- Pâncreas, tumor….! Suspira a médica.
Jonas deu uma pequena gargalhada surda e numa voz rouca disse:
- Então é simples. Vou fazer o teste e se confirmar o diagnóstico vou para casa pois tenho muitas coisas para fazer antes de me ir embora.
- Tem de fazer o tratamento, pelo menos tentar! As novas drogas…
- Deixe, morro na mesma, com mais ou menos qualidade de vida o tempo restante está no fim, sem desistir apenas digo que vou ocupar o meu tempo com uma coisa mais útil.
- Olhe que o fim não é agradável, as dores podem ser insuportáveis…!
Jonas olhou-a de novo, viu nos olhos dela a preocupação e o cuidado, alguém que se preocupava e apenas disse:
- Vamos primeiro fazer o tal exame e depois preocupamo-nos!

Jonas sentado na sua secretária escrevia furiosamente, deitava cá para fora toda a tempestade que fervilhava no seu ser:

Dor carregada de cinzento
Sorriso morto
Na cama deitado
Esforçava-se em vão
Por agradar
A dor trespassando o coração
Espada de fogo do anjo vingador
A morte de uma paixão
A morte de uma vida

Escrevia prosa e verso, escrevia para alguém que entendesse o seu grito, o seu apelo, a sua agonia.
A escrita estava a tornar-se difícil, a vista toldava-se, cansava-se cada vez mais já há muito tempo que tinha deixado de trabalhar, não conseguia e já não o aceitavam, a decadência aproximava-se e a nuvem negra do sofrimento era cada vez mais escura, as dores começavam a tornar-se excruciantes.
- Tens tomado os remédios para as dores? Pergunta-lhe a sua companheira que já há uns tempos que estava atrás dele a observá-lo e ao fazer a pergunta dirige-se para a gaveta dos remédios encontrando-a quase intacta. È mesmo parvo, não andas a tomar nada, não te queres tratar??
- Isso não é tratamento, são apenas drogas e com elas eu adormeço, deixo de ter consciência… posso perder a vida mas não quero perder a consciência.
- Mas não tens necessidade de andar aí todo torcido de dores, de …! E não conseguiu dizer mais nada, os soluços calaram-lhe a voz já de si fraca de tanto chorar.
- Não te preocupes! Lembras-te da minha velha piada? A dor é vida, enquanto sentir dor estou vivo..!! Torna-se cada vez mais verdadeiro.
- Não quero que tu morras….

Jonas jazia na cama do hospital, um frasco de soro pingava lentamente uma droga no seu braço, as dores já eram de tal maneira que ele decidiu receber as drogas para manter um pouco a sua consciência. A família vinha vê-lo, estar com pouco com ele, fazer-lhe companhia mas o trabalho de os consolar começou a ser penoso para Jonas, as forças começavam a fugir, a névoa que lhe turvava o olhar começava a ser mais persistente.
- Quero ver a minha neta, tenho saudades dela! Balbuciou sumidamente.

Um sorriso radioso iluminou a cara de Jonas quando a miúda loirinha de uns oito anos entrou no seu quarto, a mãe a recomendar-lhe que se portasse bem que o avô estava muito doente.
- Hoje não tenho chocolates para te dar! Disse Jonas com uma voz mais forte. Estou doente e não me deixam ir comprá-los!
- Não faz mal! Comi agora um gelado que a vovó deu! Porque é que a vovó está a chorar?
- Porque o vovô está doente e vai-se embora.
- Vais morrer vovô?? Perguntou a pequenita olhando com os seus grande olhos castanhos.
- Vou sim minha querida! E tenho muita pena pois vou deixar-te.
- Eu não quero que o vovô morra!! Choramingou a miúda.
- Minha querida, o vovô não se vai embora, o vovô vai ficar aqui! E Jonas aponta para a cabecinha e coração da sua neta. Enquanto eu estiver aqui eu nunca morro e estarei sempre ao pé de ti e a olhar por ti!
- Mas não me podes dar pintarolas!!
- Não! Sorriu Jonas. Não posso dar pintarolas mas também o teu pai e a tua mãe podem dar-tas, eu disse-lhes para te darem pintarolas.
A miúda sorriu e pegou na mão do avô para lhe dar um beijo enquanto este lhe fazia uma festa, esta descaiu lentamente ao som do besouro do aparelho de suporte de vida.

Pembroke
7 de Maio de 2011

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Nobita escreveu: