Chovia copiosamente. Era Inverno e estava frio, a escuridão da noite abraçava o mundo enquanto eu descia do comboio abandonado aquela luz crua de uma carruagem cheia de almas adormecidas ladeadas por bufos de ar tresloucado. Desci para a plataforma e encostei-me á parede exterior. O comboio recomeçou a sua marcha enquanto mantinha a minha posição, não queria ninguém atrás de mim, a loucura começava a subir.
Envolto no meu velho capote da marinha subia a rua evitando os pequenos riachos que se formavam com aquela chuva impiedosa. A água entranhava-se, ensopava-me o cabelo e escorria gélida costas abaixo.
Ansiava por chegar ao quiosque, aí tinha abrigo, queria fumar, estava cansado, estava desolado, a madrugada já tinha começado e logo teria que estar a pé, precisava daquele cigarro, o estômago, ás voltas, o ácido a corroer-me as entranhas. E a chuva não parava, miudinha e persistente, ensopando o meu velho capote tornando-o insuportavelmente pesado.
Parado, debaixo daquele parco abrigo puxo do meu maço de cigarros e uma lágrima de raiva caiu misturando com aquele pequeno dilúvio de chuva miudinha, os meus cigarros estavam ensopados, o maço meio cheio estava todo ensopado. Puxava-os um a um e só obtinha os filtros tal como se os decapitasse e deitava-os fora num misto de raiva e desânimo. Finalmente um cigarro em condições, o último, já com manchas de humidade que secariam mal o acendesse.
Aspirando sofregamente o fumo que me invadiu de uma falsa alegria, acabando com o meu sofrimento, acabando com a minha dor. Fumava aquele último cigarro ansiosamente, o meu último cigarro do mês, a chuva tinha acabado com o meu stock e já não tinha dinheiro para mais.
Finalmente cuspi o filtro que finalmente se tinha separado, até no fim o cigarro me tinha abandonado, deixando-me na maior solidão que alguma vez tinha experimentado e recomecei a caminhada enquanto que a chuva sadicamente aumentava de volume.
Rua escura e cheia de sombras projectadas por candeeiros meio escondidos no meio da arvores. As sombras dançavam danças macabras como que a me seduzir a bailar ao som da escuridão. Almas penadas que ali passavam e eu no meio da estrada caminhava tentando evitar algo que já nem eu sabia o quê, um passo atrás de outro e a caminhada ia-se fazendo aproximando-me do meu destino.
O último troço de rua, uma subida um pouco maior mas a dar alento por ser a derradeira, a luz dos candeeiros a espelharem-se na água recentemente depositada no negro alcatrão da rua, criando reflexos de prata que iluminavam o caminho, a chuva tinha finalmente parado fazendo com que apressasse o passo.
Entrei de mansinho, tentando não fazer barulho, e sem abrir a luz despi-me na sala onde dormia, olhando para a rua lá fora, vazia e negra, e abanei a cabeça, estava cansado. Puxei a cama debaixo do sofá e estendi-me.
Levei horas a adormecer acompanhado por todos os fantasmas que tinha visto na minha caminhada, eles continuaram atrás de mim no meu sonho, em todos os meus sonhos. E adormeci…..
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Nobita escreveu: