Penso nos
acontecimentos recentes, o choque e a dor que subitamente caiu sobre
a nossa família, a nossa família em geral e a minha em particular.
Começo a arrumar a casa das recordações, a vida tem de continuar
mas o medo instalou-se, a segurança diluiu-se, tornei-me avarento
dos meus.
Tenho
passado as últimas semanas a sonhar no pouco que durmo, sonho com a
minha perda. Ela apenas está lá e eu apenas tenho consciência da
sua presença e da dor surda que me mutila. As lágrimas começam a
secar mas a alma está muito ferida começa o corpo a ressentir-se.
Não
comparo a minha dor com a dos meus filhos embora eu sofra como pai
também, como avô, como irmão, como filho. E as circunstâncias
obrigam-me a suportar isto tudo sem um abraço, sem um aconchego,
fechado numa cela tentando entreter o meu espírito divergindo-o para
outras tarefas, tentativa vã pois o pensamento escorre sempre para a
imagem da minha perda.
Tenho o
meu espírito num turbilhão, não consigo orientar as minhas ideias,
as minhas capacidades diluem-se num rio de dor. E ando á volta,
rodopiando sem fim.
Apenas sei
que tenho de pôr uma perna á frente da outra para mais um passo
dar. Passos esses que podem assegurar uma certa segurança aos meus,
á aqueles de quem eu me tornei avarento, á aqueles que eu já não
quero deixar uma festa, um mimo para o dia seguinte, esse dia poderá
nunca chegar, ganhei consciência e terror desse facto.
E
as lágrimas continuam a correr... meus filhos deixem toda a vossa
dor comigo e continuem em frente ainda têm um lindo projecto em
mãos, ainda têm a esperança da renovação. Sigam a vossa vida e
deixem-me aqui sossegado, ouvindo música e carregando a dor de uma
perda que a todos nós afectou.
Bordo, 27
de Janeiro de 2013
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